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Resumo

O conteúdo a seguir é fruto de uma experimentação artística proposta pelo teatrólogo Rick Alves a seus alunos nas dependências do Espaço Cênico. Os registros são o testemunho de um dos seus alunos, onde apresentar ao leitor o impacto que o processo teve sobre si e como as experiências vivenciadas naquele ambiente repercutiram sobre sua vida, personalidade e escolhas. O processo durou ao todo seis meses sendo de julho a dezembro de 2014 tendo sua conclusão com á apresentação do espetáculo CEM CULPAS. A abordagem considerou os aspectos teóricos e práticos do teatro, tais como a realização de seminários por parte dos alunos, que tinham como tema principal a vida e obra de grandes teatrólogos como Stanislasky, Grotowisk, Meyerhold, Barba, Augusto Boal, Bertolt Brecht e Peter Broock, bem como exercícios regulares para o corpo, voz e mente. O conteúdo a seguir tem caráter testemunhal e expressa apenas a perspectiva do aluno sobre a experiência.

Summary

The following content is the result of artistic experimentation proposed by playwright Rick Alves its students on the premises of Scenic Area. Records are the testimony of one of his students , which introduce the reader to the impact that the process had about this student and how the experiences that resonated environment on his life, personality and choices . The process lasted a total of six months being July to December 2014 with its completion will show the CEM SINS show. The approach considered the theoretical and practical aspects of theater such as seminars by the students , which had as its main theme the life and work of great playwrights as Stanislasky, Grotowisk, Meyerhold, Barba, Augusto Boal, Bertolt Brecht and Peter Broock and as regular exercise for the body, voice and mind. The following content has testimonial character and expresses only the student’s perspective on the experience .

 O teatro e seus teatrólogos

Durante o processo tivemos a oportunidade de ministrar um seminário sobre os principais nomes da historia do teatro, uma oportunidade única de acessar a vida e obra destes teatrólogos. A coisa toda transcorreu da seguinte maneira, foram dividido grupos de quatro e três alunos, ficando cada grupo responsável por um autor ( Constantin Stanislavski, Jerzy Grotowski, Vsevolod Emilevitch Meyerhold, Eugênio Barba, Augusto Boal, Peter Brook e Bertolt Brecht), Quando entrei no espaço os grupos já estavam divididos, e um dia após a aula, quando discutíamos em sala sobre os seminários, eu como retardatário da turma tendo ingressado no meio do ano, fui direcionado a um grupo, como cabia a mim a escolha, optei por um grupo que supostamente estaria responsável por Grotowski, a verdade é que dos autores citados, tirado o pouco que sabia sobre Stanislaviski, Grotowski era realmente o único que conhecia, e dividindo com os outros membros do grupo, poderia realizar o trabalho sem muito esforço, o que naquela altura era o principal objetivo, tornar o processo mais confortável e menos fatigante possível. No entanto, Para minha grata surpresa, o grupo a qual me ofereci para integrar não era responsável por Grotowski e aquela altura, nosso professor Rick, já tinha se acostumado com a ideia de ter um grupo falando sobre esse autor e evidenciou seu desejo para que alguém se responsabilizasse por tal feito. “Uma vez no inferno, abrace o capiroto”, eu tinha optado pelo caminho mais cômodo, no entanto, numa dessas casualidades da vida, me tornei o integrante solo do grupo de um homem só. A verdade é que esse processo fez com que eu investigasse intensamente o autor, sem divisão de responsabilidade ou tarefas, fui do inicio ao fim o idealizador, pesquisador e executor de todas as atividades pertinentes ao seminário, durante dias, pesquisando no Google e youtube a história e os ensinamentos daquela figura. As palavras por extenso na tela do notebook me atraia atenção, mas no vídeo, ao som de sua voz é que tudo assumia um significado maior e tomava seu propósito. Vê Grotowiski explicando com suas palavras entre uma tragada e outra de cigarro como funcionava o teatro pobre, atraiu meu interesse e atenção, outros vídeos surgiram, um documentário da TV Polonesa apresentando o processo e filmagens de suas peças foram instrumentos utilizados na nobre missão de transmitir aos meus colegas de classe o que diabos era o teatro pobre e quem foi esse tal Jerzy Grotowski.

Ao fim do processo, o aspirante a ator, que pouco conhecia sobre a historia do teatro e procurava um atalho para queimar essa etapa, teve acesso a biografia dos principais teatrólogos e aprendeu sobre sua relevância artística e história, de Stanislavski e seu teatro realístico a Augusto Boal do teatro do oprimido a câmara dos deputados. Embora a experiência tenha sido pessoal e especifica, o seminário cumpriu seu maior propósito que foi apresentar os autores e despertar o interesse, se um instrumento catalisador para promover a busca por mais informação. Quanto a Jeryz Grotowski e seu teatro pobre, procurei um atalho e acabei pegando o caminho mais longo que me conduziu a uma oportunidade única de absorver conhecimento. Hoje posso argumentar com propriedade sobre Grotowski, e me posicionar enquanto ator sobre seus métodos. A pesquisa não acabou, e recorro com frequência a seus ensinamentos, bem como a um dos poucos livros que foram escritos sobre o autor “Para um teatro pobre”.

Corpo e voz em cena

Um dos principais objetivos ao ingressar no Espaço Cênico era conseguir extrair do meu corpo e voz a intensidade e energia necessária para dar vida ao um texto ou personagem.  As experiências até então seguiam uma mesma linha voltados para o humor, as apresentações que realizei em outros cursos ou durante o tempo que fiquei em cartaz com o grupo de humor Os Bão de Quatro, eram  pautadas em personagens extravagantes, espalhafatosos e pouco desenvolvidos, construindo situações superficiais e de pouca intensidade. Era um trabalho amador, que desprovia de técnica, mas dentro das limitações possíveis era feito com muito esforço e estima, contudo, era preciso evoluir, era necessário trabalhar corpo e mente e se comprometer com um processo que me aproximasse das necessidades de sentir e fazer do personagem.

Já na primeira aula fomos expostos a um exercício que visava explorar o corpo desde seu eixo a suas extremidades, proposto pela professora Juliana, classificando de axial (caixa craniana, coluna vertebral e caixa torácica) e apendicular (cintura, clavícula, e o esqueleto de membros superiores e inferiores), naquela oportunidade já era possível identificar o quão relevante era a anatomia humana para o desenrolar de uma construção performática teatral, qual era o limite do corpo? Que posições poderia explorar?  No primeiro dia de aula, o teatro, o ator, a interpretação como todo expandia seu potencial investigativo entrando no campo da ciência do corpo humano. Curiosamente posteriormente ao estudar Grotowski e seu teatro de Laboratório para apresentar no seminário encontrei em sua obra a conexão que estabeleci entre ciência do corpo e o teatro.

Na segunda aula tivemos o primeiro contato com o professor Rick Alves idealizador do espaço e quem nos acompanhou até o fim do processo, eu mais uma vez me sentindo um retardatário entre os demais alunos tentei ao meu modo me adaptar ao ritmo da turma, as primeiras atividades eram exercícios rotineiros, mas que em sua grande maioria eu desconhecia embora já esperasse por algo do tipo. Aos poucos fui me sentindo membro do grupo e assumindo propriedade do que era proposto, ao fim das atividades nos dividimos em grupos e encenamos algumas montagens próprias e de curta duração. Assim duas ou três aulas se passaram até que as provocações se intensificaram e o nível de cobrança aumentou, aos poucos minhas postura tanto em cena quanto nos exercícios começaram a ser pontualmente criticadas, corpo, voz, texto, montagem, intensidade, entrega e mentalização. Uma precipitação cênica, uma mentalização das falas, comportamento, reações. Essas e outras criticas foram sutilmente colocadas durante aqueles jogos, eu estava concentrado, estava focado, mais ao mesmo tempo permanecia em um estado automático, mentalmente reativo, que interagia as provocações proposta de maneira racional e em alguns momentos mecânica, as provocações do professor foram ficando evidentes e sua essência começava e me alcançar, eu jamais participaria do jogo naquele modo automático, era necessário que houvesse uma entrega, espontânea, humana, irracional e verdadeira, sem pré-analise. Naquele momento era mais importante falar, do que pensar no que falar, se atrever, se permitir, em um desses jogos, me vê em um determinado momento, babando, cansado e suado, ao citar isso ao fim da atividade, tive o retorno que não esperava, de uma forma sutil o professor demonstrou que era mais daquilo e menos do resto que eu fazia, é importante ressaltar que não falamos de uma extremidade gratuita, uma atormentação ou perturbação desenfreada, mas sim, se abrir ao processo e ser sincero e honesto com ele. Aos poucos percebi que meu corpo podia mais, combinações não usuais que promoveriam algo interessante, algo novo, a mesma coisa ocorreu com minha voz, essa percepção partiu não só do que eu fazia, mas também da capacidade de observar o coletivo, meus colegas de turma se provocam com gestos, sons, movimentos. De forma a me mostrar um universo rico de possibilidades, rompendo com um pragmatismo oriundo de uma formação pessoal, educacional e profissional. O corpo e voz de ator que eu tentava manifestar era até então um reflexo dos filmes de que assistia ou do que via nos escritórios por onde trabalhei. Aos poucos com as provocações que se repetiram durante aulas e aulas até o dia da apresentação do espetáculo pude perceber o quanto ainda posso fazer com meu corpo, tentar após exaustivos ensaios, correr o risco do ridículo, pelo menos ali, no berço cultural, no nosso embrião artístico, ali era e é o lugar que eu devo deixar de ser o Everton Lima pessoa jurídica, me desconectar do meu corpo usual, voz usual e pensamentos usuais e emprestar o que restou para as necessidades do personagem, dos jogos, das provocações e afins.

Uma das minhas maiores paixões o cinema, paixão essa alias que me conduziu ao teatro, me permite em alguns momentos insights de sabedoria e luz, em um desses momentos assistindo um filme (Wiplash), tive a oportunidade de ver um professor falar a seu aluno “a pior coisa que você pode dizer para um jovem artista é que ele fez um bom trabalho” o choque das criticas me fizeram enxergar algo que permanecia oculto, e agradeço a Deus por me permitir encontrar professores que tiveram a capacidade de serem honestos e francos para comigo, mais do que um elogio vazio o artista precisa de verdade.

  

 

Extensão para vida pessoal e profissional

 Quando ingressei no Espaço Cênico estava curioso para conhecer os métodos aplicados. Os jogos e provocações transcorriam de forma intensa e entre eles ocorriam varias rodas de bate papos onde analisávamos o que acabávamos de fazer e discutíamos sobre o processo de forma filosófica, antropológica e até cientifica. A verdade é que durante o processo havia um outro processo, um processo individual de descoberta, que para aqueles que permitissem revelaria grandes coisas. Aprendíamos sobre a vida, sobre as pessoas, sobre o comportamento humano, éramos convidado a deixar da porta para fora junto com nossas sandálias, mochilas e celulares nossa hipocrisia. Ali dentro éramos convidados a evoluir. De forma informal ou diante de todos, nos exercícios o professor nos apontava tendências do nosso comportamento e nos alertava sobre o impacto daquilo em nossas vidas, é claro que não existe verdade absoluta, e ninguém é portado do conhecimento universal, mas nas palavras dele encontrávamos sentido e significado para as coisas, muitas vezes vinha em forma de conselho, em outras através de bronca, em algumas era apenas uma analise, às vezes um convite, em determinado momento até os textos por ele escolhido nos fazia questionar sobre nos mesmo e nossa posição no mundo, outrora um colega citou ao apresentar o seminário do teatrólogo Augusto Boal que não sabia até então o quanto o artista pode ser relevante na função de politizador dos demais. As experiências foram se intensificado e regularmente eu me pegava refletindo sobre as coias que ouvia naquele lugar. A maneira como me comportava, minha resistência a determinadas coisas, meu olhar, meu tom de voz, meu jeito de me expressar. Certa vez o professor me disse que os textos que eu deveria ler estavam muito no plano mental,  e aquilo permaneceu na minha cabeça e nos meus pensamentos por muito tempo, e ao analisar aquela declaração comecei a relacionar com as pessoas que encontro no dia a dia, no trabalho, na faculdade, na família e assim por diante. Pude perceber a partir daí quando exatamente estava participando de uma conversa espontânea e natural, ou quando ela se tomava persuasiva, quando as pessoas estavam essencialmente sendo verdadeiras e sem pudor ou quando elas se viam na necessidade de articular as melhores palavras para amenizar algo que seria dito ou tentar te convencer. Dessa forma comecei a me questionar até que ponto eu era verdadeiro com as pessoas ou comigo mesmo, eu me  expressava de forma esplêndida e libertadora, ou articulava argumentos para justificar minhas frustrações, limitações ou comodidade. Comecei a observar meu ambiente de trabalho e enxergar o comportamento das pessoas se esforçando para ser exatamente aquilo que se esperam delas, usando palavras pré estabelecidas por alguém de maneira e superficial a procura de uma aprovação.

O processo como um todo foi libertador e genuíno, me assegurou uma paz de espírito incomoda daquela que me mostrar o caminho que sigo ao mesmo tempo que luzes florescentes piscam ao meu redor indicando o caminho certo que haveria de tomar,  comecei a me entender melhor como ser humano e a perceber o que quero da vida e o que esperar das pessoas, passei a ser mais tolerante e compreensível para com o mundo e ao mesmo tempo exigir mais de mim na busca da minha satisfação pessoal e profissional.

Aluno: Everton Lima

Orientador: Rick Alves

BELO HORIZONTE, 13 DE FEVEREIRO DE 2015.

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